O papa é argentino. Deus é brasileiro.
Meditações sobre um Jorge que se torna Francisco.
O
arcebispo de Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio, de 76 anos, foi
eleito o novo papa nesta quarta-feira. Ele passará a usar o nome de
Francisco.
Especialistas
o consideram um articulador com grande capacidade e tem perfil
fortemente doutrinário. Bergoglio é um intelectual jesuíta que anda de
ônibus e tem se dedicado aos mais pobres com medidas práticas. Ele mesmo
optou por uma vida simples, ao trocar o palácio do arcebispo por um
apartamento simples e preparar suas próprias refeições.
Se é verdade que as palavras tem poderes e significados especiais, vale a reflexão que segue.
O
papa é Jorge, de batismo. São Jorge foi, de acordo com a tradição, um
padre e soldado romano no exército do imperador Diocleciano, venerado
como mártir cristão. Na história dos santos, São Jorge é um dos mais
venerados no catolicismo (tanto na Igreja Católica Romana e na Igreja
Ortodoxa como também na
Comunhão
Anglicana). Também é venerado em diversos cultos das religiões
afro-brasileiras, onde é sincretizado na forma de Ogum. É imortalizado
no conto em que mata o dragão. Considerado como um dos mais proeminentes
santos militares, Jorge é nome que carrega a força da fé que luta.
Talvez
esteja aí a dimensão do Padre Bergoglio que, nos anos 70, combateu de
forma insistente as ideias revolucionárias da Teologia da Libertação e
da forte oposição que setores da Igreja na Argentina promoveu contra a
ditadura e suas agruras.
Por outro lado o Bispo Jorge adotou, por opção, o nome Francisco para ingressar na missão papal.
Francisco é mais que um nome. Francisco é um arquétipo. Representa mais que uma história ou uma tendência. Encerra uma vocação!
Giovanni
di Pietro di Bernardone, mais conhecido como São Francisco de Assis,
foi frade católico na Itália. Depois de uma juventude irrequieta e
mundana, voltou-se para uma vida religiosa de completa pobreza, fundando
a ordem mendicante dos Frades Menores, mais conhecidos como
Franciscanos, que renovaram o catolicismo de seu tempo. Com o hábito da
pregação itinerante (quando os religiosos de seu tempo costumavam
fixar-se em mosteiros) e com a convicção de que o Evangelho devia ser
seguido como imitação da vida de Cristo, desenvolveu uma profunda
identificação com os problemas de seus semelhantes e com a humanidade do
próprio Cristo. Sua atitude foi original também quando afirmou a
bondade e a maravilha da Criação num tempo em que o mundo era visto como
essencialmente mau, quando se dedicou aos mais pobres dos pobres, e
quando amou todas as criaturas chamando-as de irmãos.
Por
outro lado, como jesuíta, o Bispo Jorge pode fazer referencia também a
São Francisco Xavier, missionário cristão, pioneiro e co-fundador da
Companhia de Jesus. A Igreja Católica Romana considera que ele tenha
convertido mais pessoas ao Cristianismo do que qualquer outro
missionário (desde São Paulo), merecendo o título de "Apóstolo do
Oriente". Exerceu sua atividade missionária especialmente na Índia e no
Japão.
O
bispo Jorge, herdeiro do legado da fé que guerreia, estampada na
memória de São Jorge, assume a candura reformadora de Francisco de Assis
e da intrepidez missionária de Francisco Xavier.
Parece
claro que sinaliza para a necessidade de a Igreja descer do trono e
visitar mais a história, especialmente entre os mais fracos; se abrir
para os problemas concretos da contemporaneidade, especialmente sobre o
meio ambiente. E, acima de tudo, talvez acene para a abertura para o
diálogo e o convívio com os diferentes. A primeira sensação que passa é
que deseja mesclar a luta da fé, a docilidade da caridade e a ousadia da
missão.
Como
o Francisco (Xavier) que visitou os confins do Oriente para levar a fé,
a Igreja veio aos confins da América para levantar um papa que saiba
conduzir, preservar e aumentar o rebanho.
Resta
agora esperar e saber se Francisco conseguirá conviver com Jorge. Se a
mensagem da paz resignificará a postura de guerra. É o que esse tempo de
lutas de todas as cores pede.
Por
fim, não dá para perder a brincadeira (inevitável): o Papa é argentino;
Deus, salvo engano, permanece brasileiro. Espera-se que a convivência
seja fraterna!
Escrito por: Ricardo Lengruber Lobosco