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segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Sobre ensinar e apreender!

A sociedade contemporânea, por sua imensa diversidade, tem nos imposto a sensação de que a velocidade de tudo tem aumentado; que a capacidade das pessoas tem se potencializado. Em razão da extraordinária pluralidade dos estímulos, temos sido levados a crer que, “naturalmente”, há sempre crescimento e aprendizado. Isso tem seu lado de verdade, se pensado sob o ponto de vista do acesso à informação ou da maneira como podemos alcançar pessoas e instituições por meio das ferramentas tecnológicas do nosso tempo. Mas, por outro lado, é absolutamente inconsistente a ideia de que nosso tempo é mais promissor que outros momentos da História. Os fatos têm revelado o quão frágeis têm se mostrado nossas conquistas e como há efeitos colaterais nocivos em muito do que pensamos ser avanço e evolução. Dados e números relacionados ao meio ambiente, à saúde, à educação e a tantos outros aspectos da vida individual e social revelam que nosso tempo – e, nisso, não há muita diferença de outros tempos da História – sofre copiosamente por conta da intervenção humana. A maneira como nos relacionamos com as pessoas – incluindo o relacionamento com o próprio “eu” – e a forma como interagimos com a Natureza nos fazem ver, com clareza cada dia maior, os imensos males dos quais padecemos e, em certo sentido, retroalimentamos incessantemente. Tanto do ponto de vista cognitivo, quanto em questões psico-afetivas, está claro que estamos doentes. Se há, por um lado, avanços significativos na ciência e suas tecnologias, conhecimento cada vez mais profundo sobre o comportamento e as sensações humanas, uma explosão do senso religioso e das práticas espirituais; há, por outro, uma visível superficialidade nisso tudo: uma ciência cuja efemeridade espanta até o mais cético dos teóricos; uma psicologia confusa e confundida em suas bases de sustentação; uma religiosidade mercantilizada e, por isso, banalizada e descartável. Na escola, reverberam todas essas crises num espaço só. Tudo que sofremos no dia-a-dia respinga nas escolas e nos atores da vida escolar de uma forma esponecialmente aumentada. O conhecimento que aparentemente está ao alcance dos cliques se esvai por entre os dedos como quem tenta conter água nas mãos. O comportamento e os valores se revelam cada vez mais frágeis e cheios de lacunas e senões. A suposta solidez de outros tempos cedeu espaço ao ermo campo das interrogações, medos e, acima de tudo, de um tempo em que tudo deve ser pensado ao extremo dos detalhes, mas que, contraditoriamente, despersonaliza e coisifica tudo e todos. Intuo que isso tudo se deva, em primeiro lugar, a uma verdadeira revolução pela qual estejamos passando; uma mudança de paradigma da qual somos protagonistas e espectadores ao mesmo tempo; algozes e vítimas. Como quem vive diante da montanha e não tem a noção exata do tamanho dela e da vastidão do vale que a margeia, quem vive nosso tempo tem a imensa facilidade de não perceber que as coisas estão mudando. Mas, além disso, entendo que a liquidez de nossos saberes e valores se devam, também, a insensibilidade ou a inflexibilidade que nos aprisiona numa visão de mundo muito restrita e que nos atrapalha a ver o vale amplo e promissor que se descortina adiante de nós. Para ver melhor, é preciso cansar as pernas e arriscar uma escalada para além da zona de conforto do nosso lugar. O conhecimento tem uma característica especialmente estranha. Da mesma forma que liberta e nos ajuda a ousar e avançar, ele nos dirige ao conforto e à segurança do lugar em que estamos. O mesmo saber que nos faz caminhar, em algum momento, por alguma razão, nos faz estacionar. Eis aqui, talvez, o maior risco do tempo chamado hoje: estacionamos. Paramos sob a segurança de que o rumo das coisas é, inexoravelmente, esse mesmo. Acomodamo-nos. A ciência - que não se esqueça! – tem, na sua genética, a dúvida e a pergunta. Conhecimento não se faz com informações acumuladas e empilhadas umas sobre as outras. Ciência e conhecimento se constróem revolucionariamente; ou seja, se edificam sobre a demolição de velhos e ultrapassados saberes. (Se é verdade que a Física contemporânea dependeu, em certos aspectos, dos estudos de Newton, é verdade, por outro lado, que Einstein precisou prescindir das bases da Física moderna para propor suas postulações.) Não há outro jeito: para construir o novo, é preciso demolir o velho. Julgo que um personagem seja central em todo esse processo: o professor. Não apenas os teóricos e doutos especialistas nesse ou naquele campo do saber. Mas o professor e a professora que estão nas primeiras salas de aula da vida. São esses profissionais que, deliberada ou intuitivamente, vão nos ajudar a construir as bases do saber. Não simplesmente o conteúdo do saber, mas, especialmente, a forma de aprender e a forma de saber. Há quem ensine coisas. Há quem estimule o aprendizado. Os primeiros tendem a se perder pelo tempo e pela efemeridade dos saberes. Os segundos, ao contrário, podem se perpetuar pelo fato de terem ajudado a fincar as colunas de sustentação do saber crítico consigo mesmo. O principal legado de um professor, creio eu, seja emprestar aos seus alunos a consistente capacidade de acreditar em si mesmos, mas, paradoxalmente, a curiosa postura de quem sabe rir de si mesmo e reconhece-se provisório e sempre em transformação. Da solidez à liquidez! A maior de todas as tentações dos professores é o fundamentalismo. Somos chamados a ajudar na formação das bases e dos fundamentos dos estudantes que a nós são confiados. Por isso, tendemos, às vezes, à comodidade do saber pronto e das ideias que parecem intocáveis. (Optamos pela segurança dos livros e das apostilas, por exemplo.) De todas as possibilidades que aos professores são abertas, a maior delas é a chance que têm de ajudar os alunos a crescerem por mérito próprio e a serem autores de sua história. Os adestradores ensinam o que fazer, como fazer, quando fazer. Ensinam, numa palavra, a fazer. Simplesmente fazer! E é lamentável que os resultados do adestramento sejam tão ansiados pela sociedade. São eles que parecem realmente importar. Continuidade. A professores, cabe outra e completamente distinta responsabilidade: apontar o caminho do saber que, para além de saber fazer, sabe saber-se provisório e sempre em transformação. Sabe perguntar e duvidar. Ruptura. Entre as muitas responsabilidades dos professores, talvez essa seja a maior de todas e, por isso mesmo, a mais gratificante: ensinar a desaprender. Por: Prof. Ricardo Lengruber- Secretário de Educação de Nova Friburgo

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